Liquid Clustering é uma técnica de gerenciamento de dados no Delta Lake, plataforma do Databricks, que veio para resolver desafios das abordagens tradicionais de particionamento e clustering de dados. Em vez de exigir ajustes manuais constantes no layout dos dados, o Liquid Clustering otimiza automaticamente a forma como os dados são armazenados para melhorar o desempenho de consultas.
Diferentemente do particionamento estático ou do Z-Ordering, que demandam definir previamente como os dados serão separados, o Liquid Clustering é flexível – ele permite definir e redefinir as colunas de clustering conforme necessário, sem precisar reescrever os dados já armazenados. Isso significa que o layout físico dos dados pode evoluir junto com as necessidades analíticas ao longo do tempo, algo impossível com o particionamento padrão. Na prática, trata-se de uma otimização out-of-the-box (pronta para uso) que simplifica significativamente as decisões de organização dos dados e, ao mesmo tempo, aumenta o desempenho em cenários de processamento de grandes volumes de dados.
Como Liquid Clustering se Diferencia de Outras Técnicas de Clustering
Na prática, o Liquid Clustering substitui tanto o particionamento Hive-style quanto o Z-Ordering como métodos de otimização de layout de dados, oferecendo uma abordagem mais adaptável (“líquida” no sentido de fluida) para manter os dados organizados.
No particionamento Hive, escolhemos uma coluna (ou conjunto de colunas) para dividir fisicamente os dados em diretórios separados. Embora isso melhore consultas filtradas por essa coluna, traz várias limitações. É necessário escolher bem a coluna de partição: se for muito ampla (alta cardinalidade), acaba gerando milhares de arquivos pequenos; se for muito geral (baixa cardinalidade), produz arquivos grandes demais. Além disso, uma vez particionada a tabela, mudar a chave de partição significa refazer todo o armazenamento, o que é custoso e complexo.
Com o Liquid Clustering, essas restrições praticamente desaparecem. Você pode escolher colunas de alta cardinalidade sem penalidade e até múltiplas colunas para agrupar, focando apenas nos padrões de acesso das consultas, sem se preocupar com cardinalidade, ordem das chaves, tamanho de arquivos ou skew (desvio). Por exemplo, é viável usar uma coluna de timestamp altamente distinta como chave de cluster, algo inviável para particionamento tradicional.
Outra diferença fundamental é a flexibilidade para alterar as colunas de clustering: se amanhã suas consultas passarem a filtrar por um campo diferente (por exemplo, adicionar uma coluna “cliente” nas buscas), você pode simplesmente alterar as chaves de cluster da tabela, e os novos dados passarão a ser organizados segundo a nova chave, sem necessidade de reescrever os dados antigos. Comparado ao particionamento fixo, o Liquid Clustering oferece mais adaptabilidade e simplicidade na definição de como os dados devem ser agrupados.
Diferenças em Relação ao Z-Ordering
O Z-Ordering (ou ordenação Z) é uma técnica do Delta Lake para ordenar registros de acordo com múltiplas colunas, colocando valores similares próximos em um espaço multidimensional. Embora o Z-Order melhore a eficiência de leitura em consultas que filtram múltipas colunas, ele tem desvantagens operacionais: não é incremental (você precisa rodar um comando OPTIMIZE ZORDER BY que reordena grandes volumes de dados de tempos em tempos) e não atua no momento da escrita – ou seja, dados recém-inseridos não ficam imediatamente bem organizados até que se rode a otimização. Isso implica alta amplificação de escrita e jobs de otimização custosos em termos de tempo e computação.
Na prática, manter uma tabela otimizada via Z-Order pode aumentar o tempo de carga de dados e demandar agendamento de tarefas pesadas regularmente. Além disso, Z-Order não consegue otimizar globalmente o conjunto inteiro de dados quando as inserções são incrementais (ele lida com trechos em cada execução), podendo deixar dados não tão bem agrupados até a próxima execução completa.
O Liquid Clustering, por sua vez, elimina essas desvantagens. Ele funciona de forma incremental e contínua, aplicando o clustering já durante as escritas de novos dados (clustering-on-write) e também em tarefas de otimização mais leves. Isso reduz drasticamente a necessidade de reordenar maciçamente os dados: em benchmarks do Databricks, escrever em tabelas com Liquid Clustering chegou a ser 7 vezes mais rápido do que em tabelas usando partição + Z-Order, graças à menor sobrecarga de rearranjo. Ao contrário do Z-Order, que precisa ser ajustado manualmente para novas colunas, o Liquid Clustering permite mudar ou adicionar chaves de agrupamento facilmente e até pode escolher automaticamente as colunas ideais (um recurso chamado Auto Clustering) conforme o padrão de consultas muda, usando inteligência do Databricks.
Em resumo, comparado ao Z-Ordering, o Liquid Clustering oferece manutenção muito mais simples e eficiente, por ser incremental, e alcança desempenho de leitura igual ou superior consumindo bem menos recursos.
Benefícios do Liquid Clustering no Processamento de Dados
A adoção do Liquid Clustering em pipelines de dados massivos traz diversos benefícios concretos para desempenho e manutenibilidade. Vejamos alguns.
Desempenho de Leitura Acelerado: Ao manter os dados ordenados conforme as colunas filtradas nas consultas, o Liquid Clustering melhora significativamente a eficiência de scan e o data skipping. Na prática, muitas consultas acabam lendo bem menos dados do que leriam sem esse agrupamento. Clientes da Databricks reportaram ganhos de 2x até 12x em performance de consultas de leitura ao migrar para Liquid Clustering, em comparação às técnicas tradicionais.
Maior Velocidade e Menor Custo de Escrita: Diferente do Z-Order, que introduz muita sobrecarga nos writes, o Liquid Clustering tem baixa amplificação de escrita. Ele efetua o agrupamento de forma incremental e otimizada, evitando operações redundantes em dados já escritos. Nos testes, tabelas com Liquid Clustering conseguem ingestão de dados até 7x mais rápida do que usando partição + Z-Order tradicionais. Isso significa que você pode inserir grandes volumes de dados continuamente com menos impacto no throughput. Menos tempo gasto reorganizando dados implica também redução nos custos de computação para manter a tabela otimizada.
Flexibilidade e Adaptação às Consultas: Um dos ganhos mais notáveis é a liberdade para mudar o esquema de clustering conforme necessário, sem penalidades severas. Se os padrões de acesso aos dados mudarem (por exemplo, novas perguntas de negócio exigindo filtros por outras colunas), você pode ajustar as colunas de agrupamento e deixar que o layout dos dados se adapte gradualmente a essas novas demandas. Não é mais necessário recriar tabelas ou fazer operações de manutenção custosas para suportar um novo tipo de consulta. Essa flexibilidade torna o ambiente de lakehouse mais ágil para atender requisitos em evolução.
Simplicidade Operacional (Menos Manutenção): O Liquid Clustering simplifica o trabalho do Engenheiro de Dados ao reduzir ou eliminar etapas de otimização manual. Não é preciso adivinhar a partição ideal ou agendar rotinas complexas de Z-Ordering – a plataforma gerencia grande parte disso automaticamente. Com ele, não há risco de escolher colunas de partição ruins e acabar com milhares de arquivos ou de ter que criar colunas derivadas artificialmente para contornar cardinalidades altas. Em vez de diversas configurações e tuning, basta habilitar o clustering e deixar o Databricks cuidar do layout ótimo. Muitos usuários elogiaram a simplicidade e o desempenho “fora da caixa” trazidos por essa funcionalidade.
Melhor Manejo de Altas Cardinalidades e Skew: Como mencionado, colunas com valores altamente distintos (por exemplo, IDs de usuários, timestamps detalhados) podem ser usadas diretamente como chave de cluster. O motor de clustering é resistente a skew – ele lida bem com distribuição desigual de dados, produzindo arquivos de tamanho consistente e evitando aglomerar tudo de um lado só ou gerar fragmentos demais. Isso contrasta com o particionamento tradicional, onde dados muito concentrados em um valor geram partições desbalanceadas. Com Liquid Clustering, mesmo tabelas com distribuição muito irregular podem atingir um layout balanceado de forma automática.
Concorrência de Escrita Aprimorada: No modelo antigo, usar partições era uma forma de permitir múltiplos writers sem conflitos (cada job escreve em partições diferentes). Entretanto, isso limitava quais colunas podiam particionar a tabela. Agora, o Delta Lake com Liquid Clustering oferece suporte a concorrência em nível de linhas (row-level concurrency) graças a avanços como deletion vectors. Em termos práticos, várias transações podem gravar na mesma tabela simultaneamente sem precisar separar por partição. Assim, não é mais necessário arquitetar o particionamento pensando em evitar conflitos de escrita – você pode definir as chaves de cluster puramente pelos benefícios de leitura. Esse recurso aumenta a taxa de ingestão simultânea e simplifica o design de pipelines de dados concorrentes.
Melhores Práticas
Não misturar com particionamento/Z-Order ativos: Evite habilitar Liquid Clustering em tabelas que ainda possuem particionamento explícito ou que passam por otimizações Z-ORDER. O correto é usar uma abordagem ou outra. O Liquid Clustering substitui essas técnicas e espera ter controle total do layout dos dados. Se você migra uma tabela particionada para clustering, considere remover/arquivar as partições antigas (ou recriar a tabela sem partição) para que a nova estratégia possa atuar sobre toda a tabela de forma consistente.
Escolha inicial de colunas e ajustes: Selecione colunas de clustering com base nas consultas atuais, mas fique de olho nos padrões de acesso. Caso note, com o tempo, que outras colunas passaram a ser mais filtradas, aproveite a flexibilidade do Liquid Clustering para ajustar as colunas. Uma alteração simples via ALTER TABLE … CLUSTER BY (novas_colunas) fará com que a partir daí as otimizações e novas inserções usem as novas chaves (os dados antigos permanecem como estavam, mas isso raramente é um problema se as consultas recentes focam nos dados recentes). Assim, você pode evoluir o esquema de clustering gradativamente, ao invés de ter que planejar tudo com muita antecedência.
Monitorar arquivos pequenos: Por realizar clustering incremental, é possível que durante cargas muito fragmentadas (por exemplo, streaming contínuo de pequenas mensagens) haja um aumento no número de arquivos no disco, pois cada lote de escrita é organizado mas não necessariamente compactado com lotes anteriores. Para mitigar isso, use o comando OPTIMIZE (ou recursos de auto-compaction) periodicamente conforme citado. Manter os arquivos em tamanhos saudáveis (próximos de 100-200 MB tipicamente) é importante para desempenho consistente. O Liquid Clustering por si só procura manter tamanhos de arquivo consistentes, mas se a ingestão for extremamente granular, a compactação manual periódica ajuda a manter essa consistência.
Concorrência e isolamento: Se sua aplicação envolve muitos processos escrevendo simultaneamente na mesma tabela, o Liquid Clustering será benéfico. Para aproveitar ao máximo, garanta que você esteja em uma versão de Delta que suporte deletion vectors e row-level concurrency (no Databricks Runtime 14.2+ isso já é padrão). Não é necessário configurar nada específico para concorrência além de habilitar o clustering – apenas siga as práticas comuns de isolamento de transações do Delta (por exemplo, evite longas transações abertas). O Databricks coordenará os writers simultâneos internamente, evitando conflitos que antes poderiam ocorrer se todos gravassem na mesma partição.
No próximo post falaremos um pouco sobre casos de uso e otimização.
David Matos
Referências:
Formação Apache Spark e Databricks 4.0
Use liquid clustering for Delta tables
Comparativo Técnico de Plataformas de Dados – Databricks, Microsoft Fabric e Snowflake