O ChatGPT que você conheceu está deixando de existir.
A interface segue familiar, com a mesma caixa de texto para você colocar sua mensagem, mas o que sustenta essa experiência foi completamente redesenhado. OpenAI, Anthropic, Google e outros grandes provedores de IA deixaram de otimizar seus modelos para conversas naturais e agradáveis. A prioridade estratégica mudou.
O que se observa hoje é um afastamento claro entre o produto que o público utiliza e o produto que as empresas realmente estão desenvolvendo. As reclamações recorrentes sobre mudanças recentes, seja o tom inconsistente, a sensação de respostas infladas ou a recepção morna de novos modelos, não são acidentes. Elas refletem uma escolha consciente de design. O chat deixou de ser o centro. O foco passou a ser a construção de agentes capazes de executar fluxos de trabalho longos, complexos e autônomos.
Nos primeiros passos da IA Generativa comercial, o critério principal de qualidade era a rapidez aliada à coerência. O usuário fazia uma pergunta e recebia uma resposta quase instantânea. A interação era síncrona e imitava um diálogo humano. Esse paradigma perdeu valor econômico.
O modelo de negócios evoluiu quando ficou claro que o verdadeiro retorno financeiro não está na resposta imediata, mas na capacidade de a IA processar grandes volumes de informação de forma independente. O objetivo atual é permitir que o sistema absorva bases massivas de dados, lide com contextos gigantescos e trabalhe por longos períodos, às vezes por quase uma hora, sem intervenção humana. Para isso, a arquitetura precisa privilegiar profundidade de raciocínio e persistência de contexto, mesmo que isso custe velocidade e leveza na interação. Quando essa estrutura é usada para conversas triviais ou pedidos rápidos, a experiência soa truncada, lenta ou excessivamente prolixa. É uma ferramenta pensada para escavar montanhas sendo usada para jardinagem doméstica.
Surge então um descompasso evidente entre quem usa e quem constrói. Bilhões de pessoas incorporaram os chatbots à rotina como assistentes pessoais, redatores auxiliares ou parceiros de brainstorming. Esse público não é mais o alvo principal. O que o usuário comum deseja é personalidade, memória imediata e fluidez. O que a engenharia entrega é capacidade de executar tarefas sofisticadas, com encadeamento lógico e autonomia operacional.
A personalização oferecida hoje funciona mais como verniz do que como essência. Por dentro, o sistema se tornou pragmático e instrumental. A IA deixou de ser um produto voltado ao consumo individual e passou a ocupar o papel de infraestrutura corporativa. Atualizações que parecem piorar a experiência cotidiana existem para garantir que agentes consigam ler, analisar e estruturar relatórios extensos ou processos críticos sem se perder no caminho.
A lógica econômica explica essa direção. Planos individuais de baixo custo não sustentam avaliações bilionárias. O que sustenta essas empresas é a promessa de substituir funções inteiras, reduzir custos operacionais e acelerar cadeias produtivas. Para isso, a IA precisa abandonar a lógica de chat, em que o humano controla cada passo, e assumir a lógica de agente, em que o humano define o objetivo e a máquina executa.
A visão que se consolida para os próximos anos reduz a interação humana ao mínimo necessário. O sistema ideal, do ponto de vista dos desenvolvedores, é aquele que não exige supervisão constante. Nesse cenário, o usuário comum fica em uma posição desconfortável, utilizando uma ferramenta massificada cuja função mais visível se tornou secundária para seus próprios criadores. A experiência conversacional tende a permanecer apenas razoável, porque qualquer esforço para torná la mais agradável compete diretamente com recursos computacionais destinados à resolução de problemas complexos.
Diante disso, é necessário recalibrar expectativas. Avaliar ferramentas como ChatGPT, Claude ou Gemini pela qualidade da conversa trivial ou pela rapidez em responder perguntas simples é ignorar sua natureza atual. Elas operam como motores de raciocínio e execução, não como companheiros digitais.
A habilidade mais valiosa para profissionais deixou de ser apenas a arte de formular prompts elegantes. O diferencial agora está na orquestração de fluxos. Isso envolve fornecer contexto amplo, estabelecer critérios claros de sucesso e permitir que a máquina opere por longos ciclos de processamento. O futuro favorece quem sabe administrar o tempo e o trabalho da IA, e não quem apenas sabe dialogar com ela.
David Matos
