Você já se perguntou por que um mesmo prompt pode gerar respostas diferentes em um modelo de linguagem? A resposta está no cruzamento entre matemática e a tentativa de simular humanidade, um jogo de probabilidades que explica tanto a fluidez quanto os famosos “delírios” ou alucinações dos LLMs.
Ao contrário do que muitos pensam, a fonte dessa variabilidade não está nos pesos do modelo, esses permanecem fixos após o treinamento. Quando você digita algo como “Bom dia, como você está?”, o modelo calcula uma lista ordenada de palavras ou frases possíveis, cada uma com sua probabilidade. Sempre escolher a mais provável levaria a respostas previsíveis e entediantes.
É aqui que entra o parâmetro de temperatura. Com temperatura alta, as probabilidades se nivelam, permitindo respostas menos óbvias. Mais criativas, mas também mais erráticas. Já temperaturas baixas favorecem fortemente as opções mais prováveis, tornando o resultado mais previsível e conservador.
Outro fator é o Top-K, que limita o universo de escolhas às K opções mais prováveis. Se K = 5, apenas essas cinco entram no sorteio. A seleção continua sendo aleatória, mas agora dentro de um grupo reduzido.
Eliminar completamente a aleatoriedade é possível: basta fixar uma semente randômica, usar temperatura zero e definir Top-K igual a 1. O resultado é um modelo repetitivo, mas menos sujeito a alucinações geradas por respostas improváveis.
Ainda assim, muitas alucinações não vêm da aleatoriedade, mas da natureza do próprio modelo. Um LLM não tem consciência do que sabe. Diferente de um humano, que pode reconhecer seus limites sobre um tema, o modelo apenas continua sequências estatisticamente plausíveis. Se os dados de treinamento contêm informações imprecisas sobre “teoria das cordas”, ele pode gerar explicações sofisticadas e totalmente erradas.
Esse paradoxo é central: quanto mais criativo o modelo (alta temperatura), mais sujeito a erros. Quanto mais conservador (baixa temperatura), menos natural parece a interação.
A chave está em ajustar as expectativas. LLMs não são oráculos. São sistemas estatísticos que geram texto com base em padrões. Sua “criatividade” é, essencialmente, uma ilusão probabilística bem elaborada. E, como todo truque de mágica, fica mais fascinante quando sabemos como funciona.
Essa ilusão probabilística é o que permite aos LLMs imitarem estilos de escrita, adotarem tons distintos e até simularem personalidades. Mas não se trata de compreensão real ou intenção comunicativa. O modelo aprende padrões linguísticos ao observar bilhões de exemplos e os reproduz com base em correlações, não em significados. Por isso, ele pode escrever uma poesia comovente ou um parecer técnico convincente, mesmo sem ter a menor ideia do que é emoção ou jurisprudência.
É também nesse contexto que surgem limitações práticas, especialmente quando usamos LLMs em tarefas críticas. Em domínios como medicina, direito ou engenharia, uma pequena imprecisão pode ter grandes consequências. A confiança no modelo, nesses casos, precisa ser mediada por filtros adicionais (humanos ou automatizados) que verifiquem a veracidade do conteúdo gerado. Afinal, a fluência com que uma resposta é redigida não deve ser confundida com sua precisão factual.
Por fim, reconhecer que esses modelos funcionam por aproximação estatística nos ajuda a lidar melhor com suas falhas. Eles não foram feitos para “saber”, mas para prever. E essa diferença sutil muda tudo: do modo como interpretamos suas respostas ao modo como devemos utilizá-los. Dominar essas nuances é o primeiro passo para usá-los com mais responsabilidade e eficiência.
David Matos